Artistas mostram relações de tempo e movimento
Pensar em tempo e movimento é pensar em conceitos inerentes um ao outro. A máxima de que o tempo passa, o tempo voa, o tempo cura, está diretamente ligada à ideia de passagem, de continuidade… de movimento. Ou não. Porque essa relação de tempo e de movimento também pode significar o contrário, a inércia, o arrastar das horas, o imóvel. O que não se pode negar é que, para o bem e para o mal, um não vive sem o outro.
Um passeio pelos salões dedicados ao Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia na Casa das 11 Janelas é um mergulho nestes valores que mexem de forma diferente com cada um. Mas há uma clara linha melancólica que interliga algumas das obras. Como se, na interpretação pessoal de cada artista, essa relação tempo/movimento fosse difícil de digerir, incômoda.
É o caso, por exemplo, de “Palimpsestos”, obra de Tom Lisboa (Paraná), que parte de notícias sobre os protestos que ocuparam as ruas de diversas capitais sobrepostas a uma notícia que critica os mesmos atos. A fusão ocorre até que a crítica se esvai, como se a vontade popular se sobrepusesse a qualquer opinião formal sobre o fato. Outro exemplar disso é “Sem Título (Flores e Borrifador)”, em que Felipe Ferreira (Rio de Janeiro) faz um ato poético ao destruir, com água, flores pintadas, que se desfazem e derretem diante dos olhos, como um alerta de que tudo se desfaz, até o que está mais concreto diante de nós.
As cidades e suas mudanças conceituais e comportamentais também se apresentam como área fértil para se traduzir essa passagem temporal contemporânea. Marcelo Costa (São Paulo), em “Janelas”, reproduz imagens das mesmas janelas, registradas em tempos distintos, com a personalidade empregada de quem estava por trás daquelas esquadrias a cada clique. A repetição de ideias colocadas lado a lado provoca o olhar ao mostrar que, por estarem sempre ali, elementos nos passam desapercebidos na velocidade do dia a dia.
Em outra cidade, Niterói, no Rio de Janeiro, Victor Saverio foi atrás de casas geminadas, que dividem a mesma estrutura com fachadas duplas e idênticas, porém cada uma impregnada da história de quem a ocupa. O paraense Marcílio Costa, por outro lado, parte de uma crítica à verticalização de Belém para mostrar literalmente o “Empalamento”, com casas antigas, com ares de outrora, sendo cravadas por novas torres arranha-céu, em diversos pontos da cidade.
Há casos em que a pergunta que fica diante da obra é: isso aqui é o agora, ou já foi? Como “O Tempo Amarrado no Poste”, obra de Sérgio Carvalho de Santana que volta ao Piauí, onde viveu até os 12 anos de idade, para buscar reminiscências de seu próprio passado, e o que se encontra é algo parado no tempo/espaço, entre o aqui e o outrora. Ou “… Continua em Minha Memória”, de Pedro Cunha (Pará), em que as fotografias ganham uma generosa camada branca, como névoas que embaçam a memória perdida em algum lugar, assim como “Tempo Arenoso”, de Elaine Pessoa (São Paulo), em que essa lembrança é turva graças a sobreposições que lembram rajadas de areia ao vento. E ainda “Valparaíso: Paisagem Histórica Viva em Fotografias”, de Pio Figueiredo (São Paulo), que mostra a mudança de status de Valparaíso, de um importante porto de circulação mundial de mercadorias até o século 21, para um quase nada por mudanças no perfil econômico mundial – novamente uma memória difusa que inquieta por não revelar em que tempo está.
O passeio é longo pelo salão e pelo encontrar em si mesmo um significado para cada peça. Mas a obra de Guy Veloso poderia ser encarada como uma síntese desta edição do Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia. A começar pelo nome “Teatro do Tempo” – que resume em si esses conceitos de passagem de vida (ou vida estacionada), morte, perda, ganhos, memória -, quanto pela obra, que pela textura, cores difusas e uma despedida – “Até breve” – invertida em um decadente neon nos mostra que, invariavelmente, seja acelerado ou arrastado, colorido ou sem cor, nítido ou borrado, o tempo e o movimento passam como a vida. E um dia chegam a um fim.
Hibridismo entre cinema e fotografia
A sensação de entrar na exposição de Jorane Castro, artista convidada para o VI Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia, é a de ver pequenos frames de um filme. Em “Diante das Cidades, Sob o Signo do Tempo”, a cineasta, premiada por “Ribeirinhos do Asfalto”, mostra que domina muito bem a fotografia também e se vale dela para expressar um universo urbano de forma cinematográfica e poética, chegando até a ser sombria.
Quase que toda em preto e branco e com muitos tons de cinza, Jorane mostra fotos simples, porém carregadas de sentimentos, e revela que, com pouco recurso, é possível fazer muito. A série que foi produzida pelo celular para a rede social Instagram fica mais linda na parede do que nas telas digitais dos smartphones. Mostra o aguçado olhar da cineasta em revelar o cotidiano, colocado em paralelo a trabalhos dela resgatados ainda da década de 1980.
Os cliques parecem projetos de um filme a ser elaborado ou exibido e nos dão a nítida sensação de que é possível comunicar com uma única imagem. Os tons borrados, o preto e branco e até o colorido exalam cinema, e o Museu da UFPA se encheu de uma mostra que garante que o hibridismo da fotografia e cinema é um brilho a mais para esta edição do prêmio.