Blog do Juan Esteves: TEMPO ARENOSO – Elaine Pessoa

Felizmente a fotografia vem se dirigindo aos caminhos que contemplam com mais atenção o exercício do pensamento e de uma prática que não fique refém somente de sua estética ou de sua proposta objetiva ou mais informativa. Entretanto, é uma ação que demanda cuidado e dedicação. Não basta criar imagens sem significados e trazer um “curador” para explicá-las depois ou propor um conteúdo vazio que despreze as relações mais ontológicas e suas implicações mais amplas tanto ao caráter estético quanto filosófico.

Tempo Arenoso ( Olhavê, 2015) da fotógrafa Elaine Pessoa é fruto de um projeto que levou um ano, calcado na relação entre a autora e sua orientadora, a antropóloga e curadora pernambucana Georgia Quintas, através de um processo de desenvolvimento de edição, conceito da obra, referências teóricas e leituras que se relacionaram com a discussão sobre a passagem do tempo, entendendo por isso as relações entre memória, latência e narrativa ficcional, uma proposta impulsionada pela filosofia do francês Henri Bergson (1859-1941) e pela literatura do uruguaio Mario Benedetti (1920- 2000). O livro foi um dos indicados como melhor do ano pelo PHotoEspaña.br

Sem deixar aqui um spoiler é preciso adiantar que o livro Tempo Arenoso não requer um leitor enciclopédico ou modelo como sugere Umberto Eco, que dificulte ou complique a relação obra-leitor. Ainda pensando que esta relação de fato não se dá corriqueiramente, talvez seja necessário lembrar do desejo epistemológico na distinção do que é uma imagem com conteúdo daquela sem nenhum.

Elaine Pessoa produz suas imagens de maneira a romper com os paradigmas da racionalidade mas sem abdicar de uma necessária proposta visual que permita o leitor compreender seu percurso. Está longe de possuir uma narrativa linear, diz Alexandre Belém, co-editor do livro juntamente com Georgia Quintas, assim como propõe que a questão temporal possa ser ficcionalizada.

O conceito “tempo”, intrínseco à fotografia, já propõe certos questionamentos gerando a dicotomia entre o físico e o contemplativo: “O tempo registrado na fotografia e o tempo convertido em memória. Memória esta que não é o estado de lembrar-se sobre a paisagem vista, mas contudo, da natureza maleável da experiência em fomentar o desejo de viver mais pela própria imagem fotográfica” escreve Georgia Quintas.

Tempo Arenoso é uma espécie de plano sequência memorialista construído por múltiplas exposições em pouco mais de 20 páginas com cenas da borda do Rio da Prata e da cidade em Montevideo, no Uruguay (daí a relação com Benedetti). São imagens feitas em viagens, retrabalhadas tanto no sentido gráfico pela construção de uma granulação exacerbada, quanto no conteúdo das imagens mescladas entre a paisagem e o humano. O tom bege das imagens, a cor do papel Pólem Bold, mais amarelada, bem como uma edição limitada e numerada de 500 exemplares reforçam o percurso que nos leva a uma nova proposta de fotolivro.

Tempo arenoso embora pareça ser uma experiência estética construtivista, traz também um modo bergsoniano, que a priori foi o condutor entre fotógrafa e curadora. É evidente que a realidade vivenciada pela autora, tem sua “duração real” como afirma o filósofo, se desenrolando na consciência. A transformação das experiências fotográficas e o caráter intuitivo das sobreposições acabam por gerar uma “vivência genuína”, momentos intensos que claramente trazem uma durabilidade real, o que nos leva de volta a natureza intrínseca da fotografia na busca pela permanência.

Imagens © Elaine Pessoa
Texto © Juan Esteves

Fonte: blogdojuanesteves.tumblr.com